Era a segunda vez consecutiva que o PM da reserva via a prefeitura de Fortaleza lhe escapar pelos dedos. Ele já havia perdido a disputa de 2016 para outro rival do PDT, Roberto Cláudio. A polarização com os irmãos Gomes vem se mostrando uma constante na carreira política do ex-policial. No fim de 2011, quando Cid era governador, Capitão Wagner liderou uma greve da corporação por melhores salários. Na época, ele acabara de trocar o oficialato da PM, que ocupou durante quase treze anos, por uma vaga na Assembleia Legislativa, como suplente. Ao longo de sete dias, entre 29 de dezembro de 2011 e 4 de janeiro de 2012, policiais militares e bombeiros se recusaram a sair dos quartéis. No dia 3, terça-feira, arrastões na periferia de Fortaleza, vitaminados por uma onda de boatos nas redes sociais, fizeram o comércio da capital decretar um feriado informal, situação inédita na história da cidade. Pressionado pela opinião pública, Cid capitulou. Cedeu às exigências por reajuste salarial da tropa, e os amotinados voltaram ao trabalho. Capitão Wagner vencia a primeira batalha.
Greves de PMs e bombeiros são proibidas tanto pela Constituição quanto pelo Código Penal Militar e podem acarretar até vinte anos de prisão. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou a ilegalidade desse tipo de movimento e estendeu a proibição para a Polícia Judiciária. A razão é simples: trata-se de contingentes armados que, ao se rebelarem, têm condições de tomar o Estado. Há nove anos, durante a paralisação no Ceará, Cid ameaçou processar todos os revoltosos, mas desistiu. Dez meses depois do motim, Capitão Wagner seria o vereador mais votado para a Câmara de Fortaleza, com 43 mil votos. Em 2015, ele retornou à Assembleia, não mais como suplente e de novo com um número expressivo de votos: 194 mil. Em 2018, já surfando a onda do bolsonarismo, conseguiu uma vaga na Câmara dos Deputados, com 303 mil votos. A greve de 2011 também alçou para a política dois outros PMs do Ceará: o deputado estadual Noelio da Rocha Oliveira, ex-soldado, e o deputado federal Flavio Alves Sabino, ex-cabo.
A Polícia Militar cearense deflagaria mais um motim em 18 de fevereiro deste ano, por discordar do reajuste escalonado no salário dos policiais, que atingiria o teto de 32% apenas em 2022. No dia 19, enquanto grevistas encapuzados ordenavam que o comércio fechasse as portas e outros amotinados trajavam com orgulho camisetas pró-Bolsonaro em Fortaleza, o agora senador Cid Gomes se metia em confusão no interior do estado. Ele tomou dois tiros, na clavícula e no pulmão, depois de subir numa retroescavadeira para tentar romper o piquete de um grupo de policiais diante do 3º Batalhão da PM, em Sobral. Por causa da rebelião, 230 militares foram afastados do cargo e outros 47 acabaram presos. Dessa vez, o ex-cabo Sabino liderou a revolta, mas quem anunciou o acordo para encerrar a greve, em 1º de março, após treze dias de motim, foi novamente o Capitão Wagner. Num palanque improvisado no 18º Batalhão, em Fortaleza, ele se colocou ao lado da também deputada federal Fabiana Silva de Souza, a Major Fabiana, do PSL fluminense.
Mesmo sem relação direta com o movimento do Ceará, a parlamentar pediu a palavra ao ex-capitão, que definiu como “irmão de farda”. “Agora, quem é contra a Polícia Militar não tem mais a hegemonia do discurso”, declarou. “Agora a tropa elegeu representantes que sabem que, na ponta da linha, ninguém aguenta mais esperar, sabem o que é vitimização policial. […] Pela primeira vez, a gente tem um presidente, o Bolsonaro, que sabe o que é ser um policial militar.” Nesse instante, a major reformada foi interrompida por aplausos e gritos de “mito, mito”.
Apesar de o motim ser ilegal, Bolsonaro não o condenou. Afinal, ele próprio se insubordinou nos tempos de capitão do Exército. Em 1986, publicou na revista Veja o artigo O Salário Está Baixo, em que defendia reajuste no soldo das tropas. Como suas palavras não surtiram efeito, o oficial decidiu recorrer à violência. Em 1987, uma reportagem da mesma Veja revelaria um plano de Bolsonaro para explodir bombas em unidades do Exército, o que o levou à reserva e, logo depois, à política, como vereador do Rio.
Ainda durante a recente greve no Ceará, Sergio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública, fez malabarismos verbais ao comentar o caso. Em visita a Fortaleza, evitou criticar o levante e disse que a situação “não era de absoluta desordem”. Os fatos, porém, o desmentiram: somente nos treze dias de motim, 312 pessoas foram assassinadas no Ceará, quase o dobro dos 164 homicídios ocorridos em fevereiro do ano anterior. Desde março, tramita na Câmara um projeto de lei para anistiar todos os policiais grevistas. O autor é justamente o Capitão Wagner.
Revista Piauí
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