O Ceará chegou ao fim do mês de maio
de 2017 com o número recorde de detidos no Sistema Penitenciário. De acordo com
levantamento da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus),
hoje, a população carcerária é composta por, aproximadamente, 26 mil internos,
incluindo regime fechado, semiaberto, aberto e presos que cumprem medidas
cautelares e são monitorados pelo Estado. Conforme a Sejus, cerca de 20 mil
presos estão dentro de cadeias e penitenciárias, nas quais o número de vagas é
de somente 12 mil, o que representa um excedente de 76% ou cerca de 9 mil
detentos.
Para especialistas ouvidos pela
reportagem, o constante aumento da violência nas ruas vem mostrando que a
política do encarceramento não está resolvendo o problema. O número total de
internos muda todos os dias e chega a saltar a curto prazo. Só no mês passado,
a Secretaria registrou a entrada de 560 novos internos.
O ingresso de presos é superior às
saídas. Para a Sejus, isso está diretamente ligado à demora dos julgamentos.
Hoje, no Estado, há 12.145 provisórios, ou seja, que estão detidos, e ainda
aguardam julgamento.
A maioria, jovens de 18 a 22 anos, e
se aliaram a facções criminosas no intuito de garantir sobrevivência e também
regalias em um 'mundo paralelo'. A superlotação que perdura mostra a
fragilidade do Sistema e traz à tona uma série de problemáticas vividas nas
cadeias, conforme fontes ligadas ao Sistema Penitenciário.
Na última terça-feira (6), o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) anunciou que menos de 1% dos presídios no Brasil são
excelentes. Os dados do Sistema Geopresídios indicam que apenas 24 de 2.771
unidades de detenção foram classificadas do melhor modo possível.
A avaliação feita por juízes de
Execução Penal coloca a região Nordeste como a segunda pior do País. A pesquisa
aponta que só 0,4% dos presídios no Nordeste alcançaram o patamar excelente. O
Norte ainda ficou atrás com 0,3%. Conforme o levantamento do CNJ, nenhuma das
penitenciárias do Ceará aparece como excelente. Das 168 visitadas no Estado, 54
foram consideradas péssimas, 25 ruins, 84 regulares e apenas cinco boas. O
estudo mostra que todas as cinco boas são cadeias públicas localizadas no
Interior do Estado.
Lotação
A titular da Sejus, Socorro França,
discorda da pesquisa. Apesar da superlotação de 52% em todas as Casas de
Privação Provisória de Liberdade (CPPLs), ela lembra que na unidade Irmã
Imelda, recém-inaugurada e voltada para um público vulnerável, sobram vagas.
"As demais unidades são
superlotadas porque são 12.145 presos esperando julgamento. O problema é a
falta de julgamento dos presos. Temos que mostrar que esse é o grande gargalo.
No próximo dia 30 de setembro, vamos entregar 1.102 novas vagas no Sistema
Carcerário", disse Socorro. De acordo com a pesquisa do CNJ, todas as
Casas de Privação do Ceará estão em condições regulares.
A professora da Universidade Federal
do Ceará (UFC), Celina Galvão Lima, estuda e pesquisa Direito Penal e atuou na
elaboração do Censo Penitenciário do Estado do Ceará. Para ela, a
ressocialização dos presos é comprometida pela superlotação aliada à ausência
de direitos mínimos, como até mesmo a de ventilação no cárcere.
"As condições são sub-humanas.
Os trancafiados ficam ociosos e isso gera mais violência. A grande questão não
é construir presídios. Não adianta se não houver um cuidar. Do jeito que está,
não é trabalho, é acumular pessoas e gerar mais violência", disse a
especialista.
Em resposta à morosidade da Justiça
para julgar suspeitos, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), afirma
não ser possível precisar um prazo limite, nem um tempo estimado para alguém
ser julgado. De acordo com o TJCE, não há no sistema uma contagem de quantos
julgamentos estão em espera, e sim estratégias de reversão à morosidade para
sentenças, como as audiências de custódia.
Rotina de reclusão
"Quando o número de presos
cresce todos os dias e a gente tem um número mínimo de agentes penitenciários,
a dificuldade é enorme". A fala da secretária Socorro França traz ainda
outra lacuna que é consequência do recorde de superlotação. Se a cada dia
entram internos e o número de agentes permanece o mesmo, a "conta não
bate".
Conforme um agente penitenciário da
Sejus, que já atuou como diretor de unidade carcerária, e preferiu não se
identificar, a realidade da profissão mescla medo e certeza que muito falta
para o trabalho ser feito em condições humanizadas. "A situação é
precária, insalubre, a alimentação não é boa e os alojamentos para descanso
estão sem estrutura", citou, mostrando que a pesquisa do CNJ traz à tona
realidade vivida pelos servidores na rotina da profissão.
Socorro França diz que a Sejus sabe
das dificuldades enfrentadas pelos servidores. "Não é fácil tomar conta
das pessoas de quem, muitas vezes, nem a família nem a sociedade quer por
perto". Já a especialista Celina Galvão reitera o estigma vivenciado pelos
internos e lembra que uma boa volta ao convívio entre os civis no pós-cadeia
depende da história escrita durante o cárcere. "Se gasta muito quando
trancafia e não se promove a ressocialização. Esses detidos são estigmatizados
pela sociedade. Se fica difícil arranjarem emprego, eles voltam para o crime. É
círculo vicioso", ressalta.
Guerra interna
Além de superlotadas, as prisões do
Ceará estão dominadas por integrantes das facções mais perigosas do País. A
secretária de Justiça não nega que nos presídios existam prestações de contas
entre grupos rivais.
Por já ter observado de perto o passo
a passo das ações criminosas que acontecem dentro das CPPLs, onde sobrevivem os
mais fortes e mais influentes, o agente penitenciário fala sobre a opressão da
massa carcerária. "Eles sabem que não temos força para barrar. Com as
facções ficou ainda pior. Para nós, o perigo com as unidades cada vez mais
lotadas aumenta", acrescentou.
Na finalidade de reduzir o déficit de
efetivo, o governador Camilo Santana anunciou recentemente concurso para mil
novos agentes penitenciários. A secretária Socorro França, diz que em tempos de
crise, a homologação do concurso é uma vitória. Ela lembra ser necessário um
número maior do que os mil agentes que estão por vir para minimizar os
problemas do Sistema.
Fonte: Diário do Nordeste
Fonte: Diário do Nordeste
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