Hoje
, meu cachorro fez lembrar-me de Platão. Em um dado momento, enquanto eu usava
roupas incotidianas e brincava ludicamente , fabricando gestos
descompromissados, surpriendi-me com seu olhar, com a sua postura
observacionista, zeloso e sempre fiel no trato de sua observâcia institiva;
então, ele parecia... parecía-me admirado e ao mesmo tempo, espantado, diante
de algo supostamente inusitado, fora do padrão.
Fui
refém , por alguns segundos, dos arroubos discrepantes de tal constatação; sentí-me
uma assombração , uma figura insólita, extraordinária, como se naquele fugaz
momento , eu me fosse a própria personificação do primeiro eclipse observado.
Era eu, um intruso da caverna. Mais que isso, eu era a transgressão da
realidade, a constatação da ignorâcia centelhando no olhar de um observador que
desconhecia sua própria noção de ignorar ou condição de ignorante.
Foi
quando então, na reciprocidade do observar, vislumbrei a sua postura , o seu
olhar indagativo, incomodado , inquisidor. Parei . Ele latiu e alternou
evoluções que pareciam demonstrar medo e desfio. Ao perceber que eu ainda
permanecia parado, lentamente aproximou-se , logo abaixando-se ao mesmo tempo
em que rastejava e farejava curioso, imbuido do ímpeto da saciedade. Demonstrou
não aceitar as coisas sem maiores considerações.
Doravante,
não me fugiram a imagem e o simbolismo socrático. O meu cachorro, ao alcançar
com sua visão, a nitidez desmistificante proporcionada pelos espaços exíguos ,
reconheceu meu disfarce, meus trejeitos, aceitou minhas tradições, assentiu.
Logo eu, que da metamorfose, pensava ser feito. Deu ai um sorriso
desconcertado, que nem pássaro constrangido ao despencar. Ladrou, timidamente.
Aparentando ressábio diante da perfidez
pelo que acreditava conhecer. Estranhamente, aparentou anuir, que viver
é enganar-se com a verdade, e angústia , é a não aceitação da incompletude
perfeita.
Meu
cachorro, fôra filósofo, fôra poeta como Pessoa. Fôra também, gigante, como
elefante ou baleia. Aliás, não foi por acaso que de icoercível alusão, me veio
tão fortemente a lembrança de Graciliano. A sozonalidade da sorte inerente ao
período chuvoso, fomentando o “ramo” e o “rumbora” do nordestino, pergrino,
nômade e ignorado, fugindo das secas vidas , ressequidas à mercer do abandono.
Uma gente expatriada, sem nação protetora, sem noção humana de animal
deprezado.
Meu
cachorro fez lembrar-me a cachorra baleia. O inimigo era confrade e fez do piso
um colchão, rolando feliz , assim como baleia no sonho encantado onde preás
gordos em miríades eram miragens magistrais em meio ao deserto das desilusões.
Não
pude então , deixar de pensar que o cachorro me era e é o que me sou. Ontologia , Aristóteles já
diria.
Mário Henrique
0 comentários:
As opiniões expressas aqui não reflete a opinião do Blog Primeira Coluna.